quarta-feira, 13 de outubro de 2010

E o milagre aconteceu...


Há menos de dois meses, escrevi aqui mesmo nesse blog que o PSDB esperava por um milagre para reverter a ampla vantagem que Dilma tinha nas pesquisas. Naquele instante, o partido não tinha um discurso coerente. Ora elogiava o governo Lula, ora o atacava. Aliados (inclusive do próprio partido) evitavam se vincular ao candidato tucano José Serra, temendo prejuízos eleitorais nas disputas estaduais. Mas política é realmente imprevisível, e o milagre surgiu. Com uma força inesperada até mesmo por ela, Marina Silva protagonizou uma onda verde que acabou por levar a disputa para o segundo turno. Um pouco mais de tempo e talvez iria ela, Marina, ao segundo turno contra Dilma Rousseff. E com ótimas possibilidades de vitória, já que herdaria 99,5% dos votos dos eleitores de Serra.

Mas Marina não teve tempo pra isso. Sua coligação de um só partido lhe deu pouquíssima capilaridade eleitoral, característica vital em um país continetal como o nosso. E seu tempo na propaganda eleitoral era apenas um pouco maior que aquele suficiente para dizer "Meu nome é Enéas". Com 20 milhões de votos, entretanto, ela pode ser considerada a grande vitoriosa da eleição presidencial no primeiro turno, e peça-chave no segundo. Analistas previam que ela teria algo próximo da metade disso...

Mas o que gerou essa onda verde? Se o voto ecológico não representa nem 10% do eleitorado, o que levou a Marina a ter quase 20%? A resposta está no que chamamos de "agenda negativa". Um candidato perde votos na medida em que se vê obrigado a dar mais explicações do que a expor seu programa de governo. E foi justamente isso que ocorreu com Dilma Rousseff. Ironicamente, o gatilho para esse processo foi disparado pelo presidente Lula, padrinho político de Dilma, um político que já viveu meia dúzia de eleições presidenciais, e que por esta razão traz consigo uma vasta experiência eleitoral. Do alto de sua popularidade arrebatadora, Lula achou que podia mais do que realmente pode. Na mesma semana, atacou o "excesso de liberdade" da imprensa e disse que gostaria de "extirpar a oposição". Chavez pensa da mesma maneira. Ahmadinejad também. Impossível que não houvesse a associação dos dois rompantes do presidente Lula (e de sua candidata, que como sempre faz coro ao que ele fala) com um viés ditadorial, repressor.

Já na semana seguinte, Dilma foi questionada uma centena de vezes sobre os dois temas. Tentou explicar que apesar dos pesares, imprensa boa é imprensa livre. E também sem muito sucesso disse que a fala do presidente sobre extirpar a oposição era de cunho eleitoral, e que o PT gostaria de extirpar os opositores nas urnas. Soma-se a isso as intensas acusações contra a ministra Erencie Guerra, braço direito de Dilma, envolvida em flagrantes casos de corrupção na Casa Civil e pronto. O estrago estava feito. A agenda negativa estava instalada.

Uma parcela dos eleitores de Dilma - nitidamente a parte mais instruída, com mais renda, os chamados formadores de opinião - , incomodado com essa agenda negativa da candidata petista, resolveu olhar para os outros candidatos. De um lado, viram Serra, um candidato pouco atraente aos olhos deste eleitorado específico. Mas de outro viram Marina Silva, uma ex-petista que trabalhou com Lula, e que tem uma forte imagem ligada à lisura no trato com a coisa pública. "É nela que eu vou", pensaram muitos. Em um primeiro momento, quase 5 milhões de eleitores. Quase 5 milhões de ex-dilmistas. Marina deu seu primeiro salto, batendo nos 15%, e Dilma viu sua vantagem encolher, caindo de 57% dos votos válidos para 51%. O segundo turno já era uma ameaça latente.

Mas um segundo golpe ainda estava por vir. Dilma, que sempre teve postura afirmativa sobre os variados temas tratados por um candidato político, vociferou em sabatina à Folha que era "um absurdo não haver, ainda, a descriminalização do aborto no Brasil". Uma posição legítima, e até certo ponto louvável. Afinal, o Brasil é um país laico, e políticas de saúde pública não devem sofrer a influência de religiões ou crenças. Mas o tema foi levantado posteriormente, e Dilma se embaralhou toda. Afirmou que era contra o aborto. Que era a favor da vida. Mas não encontrou explicação razoável para a forte frase dita na sabatina da Folha. Enfrentou um importante revés de grupos religiosos. Arcebispos, padres, pastores e líderes passaram a pregar voto contra a candidata do PT, chamada de abortista. Os marqueteiros de Dilma tentaram voltar atrás. Incluiram em seu programa eleitoral o tema, mostrando lindos bebês, mulheres grávidas e etc. A campanha da petista tentou reunir novamente líderes religiosos para, juntos, condenarem a prática do aborto. Até conseguiu o apoio e a adesão de alguns, mas era tarde. Outros 5 milhões de eleitores voltaram seus olhos para as opções, e Marina experimentou novo salto no dia 3 de outubro, dia da votação em primeiro turno.

Diferentemente do que previam as pesquisas, até mesmo as de boca de urna, Dilma não teve os 51% esperados. Nem 50%, nem 49%. As urnas se fecharam e deram a Dilma 46,9% dos votos. Serra ficou próximo do que tinha nas pesquisas, cerca de 33% dos votos. E Marina se aproximou dos 20%. O segundo turno presidencial, antes pouco provável, era fato consumado. E o PT ainda lamentava a vitória em primeiro turno de Geraldo Alckmin em São Paulo, por apenas 0,5 ponto percentual, deixando o petista Mercadante fora da disputa. A oposição estava em festa. O governo não...

Hoje, nada indica que a sangria de Dilma Rousseff tenha terminado. Pelo contrário, a postura agressiva no primeiro debate do segundo turno certamente lhe tirou votos, tanto que a campanha petista não quer que Dilma participe de todos os debates previstos. Há consenso entre estudiosos do tema que o candidato que ataca de maneira muito agressiva tende a perder votos. O eleitorado reprova esse tipo de atitude. E Dilma, pouco articulada e nervosa, amplificou o problema. Serra, ao contrário, se mostrou tranquilo, e ainda adotou um discurso mais coerente que o que usou no primeiro turno. Defendeu as conquistas do governo FHC - o plano real, as privatizações, a estabilização da economia, e partiu para as comparações de biografias.

Neste instante, algumas pesquisas já indicavam que o grande eleitorado conquistado por Marina Silva no primeiro turno tendia para o lado de Serra, e não para o de Dilma. No DF, onde Marina ficou em primeiro lugar, Serra herdou vinte e quatro pontos percentuais quando a candidata verde saiu da disputa. Dilma herdou apenas sete. A constatação deste movimento veio através do Datafolha, dias depois. A vantagem de Dilma, que chegou a ser de 20 pontos percentuais em um confronto de segundo turno contra Serra, caíra para oito pontos apenas.

O PT tenta, agora, levantar uma "Erenice" do lado do Serra. A tentativa é válida, e se colar pode frear o crescimento do tucano. Falam de um cidadão chamado Paulo Preto, que teria desviado 4 milhões de reais da campanha tucana. Sinceramente, o caso não me parece ter intensidade para causar estragos nas hostes tucanas, mas aos petistas não custa tentar. A seguir como está, Serra já se aproximaria bastante de Dilma na próxima pesquisa, e fatalmente ultrapassaria a petista até o dia 31 de outubro, data da votação em segundo turno. O posicionamento de Marina Silva frente ao segundo turno poderia mudar sacudir a poeira, mas se espera que o PV apoie Serra, e que a candidata verde permaneça neutra na disputa.

Os petistas, hoje, tentam entender como uma eleição ganha se transformou numa disputa equilibrada, com boas possibilidades de derrota. Os que realmente quiserem esta resposta devem olhar para o presidente Lula. Mais precisamente para o seu umbigo. Foi ele, com o rei na barriga, que disparou o gatilho da agenda negativa que até hoje atola a sua candidata.

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