sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Por que a comparação pura e simples não faz sentido...


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Antes de mais nada, gostaria de dizer que realmente acredito que o presidente Lula fez um bom governo. Um governo com falhas, como todos têm, mas com muitos pontos positivos. Nas pesquisas de avaliação do presidente, estou entre os que lhe dão nota boa, pra desespero de alguns amigos tucanos. Acho legítimo que, por esta razão, as pessoas realmente considerem a possibilidade de votar na continuidade desse governo. Dilma é favorita absoluta, e só não ganhou no primeiro turno porque não é uma candidata forte como foi o Lula nas eleições anteriores.

De fato, aí está o maior problema dessa escolha. Torço, do fundo do meu coração, para que a Dilma, se eleita, faça um grande governo. Mas nem de longe ela tem as características principais que trouxeram o presidente Lula até aqui, e que o transformaram em um mito político. Carisma e liderança. Ambas são fundamentais, e se misturam. O carisma do presidente Lula fez com que sua popularidade se mantivesse sempre mais alta do que seria o esperado, e esse apoio da sociedade fortalece as bases de apoio político, tão necessárias para se governar. E a outra característica instintiva em Lula é a liderança. Lula consegue manter certo controle sobre as forças políticas no congresso (partidos, líderes), e isso lhe é fundamental. Tenho muitas dúvidas se Dilma conseguiria o mesmo feito caso seja mesmo eleita.

O Joelmir Beting, recentemente, comparou de maneira pura e simples números de 2002 e de 2010. Disse que em 2002, fim do governo FHC, o Brasil estava "no fundo do poço", e que hoje está "no melhor dos mundos". Disse ainda que a inflação era de 12,5% e agora de 5,1%, o dólar caíra de 3,94 para 1,70, PIB de 2,7% para acima de 7%, desemprego de 12,7% para 6,2%, e finalmente que o risco país caíra de 2400 pontos para 174 pontos.

Um professor de estatística que tive na faculdade dizia que os números não mentem, mas podem ser contados ao "gosto do freguês". É justamente este o caso. Joelmir é petista, e não vejo nenhum problema nisso. Há inúmeros âncoras e analistas tucanos por aí. O problema está na parcialidade da notícia. Um assassinato do bom jornalismo. Uma desonestidade intelectual, levando-se em consideração que ele, Joelmir, sabe o que fala. Vamos pontuar a sua fala...

1. "Fundo do poço" para o "melhor dos mundos" - São expressões abstratas, mas o Brasil não estava no fundo do poço ao fim de 2002. Estava muito, muito melhor do que 10 anos antes, com inflação controlada, juros mais baixos, moeda forte e estabilidade econômica (ver gráfico da evolção do IDH nas últimas décadas). Falar dessas conquistas hoje em dia pode soar estranho, antigo, como se isso fosse o óbvio. Não era. O óbvio era a troca constante de moeda, a inflação galopante, a instabilidade econômica e política. Isso sim, era o fundo do poço.

Do outro lado, não estamos no melhor dos mundos. Neste lugar, se é que ele existe, não há filas nos postos de saúde nem professores ganhando tão pouco. Não há achaques à democracia ou à liberdade de imprensa. Não há "guerra" entre ricos e pobres, entre sulistas e nordestinos, promovida pelo governo. No melhor dos mundos, a política externa do nosso país não apoia abertamente ditadores, enquanto todo o resto do mundo diz que o correto é o contrário.

2. Inflação de 12,5% para 5,1% - Ora... Antes de ser 12,5% ao ano como era em 2002, a inflação era de 40%, 50% ao mês. Chegou a ser de 80%, e isso em um único mês. Foram inúmeras as tentativas de derrotar a inflação, a grande vilã de todo trabalhador (principalmente dos mais pobres). Teorias heterodoxas foram aplicadas, e sempre com sucesso frágil e passageiro. A cada tentativa frustrada de estabilização dos preços era fortalecida na mente dos brasileiros a impressão de que a inflação era invencível, e isso aumentava a dificuldade para os momentos seguintes.

Evidentemente, o governo Lula agiu bem nesse ponto, entre outros. Manteve o controle da inflação por metas, e o BC goza de certa independência para agir quando é preciso. A tendência era de que a inflação, já domada em um primeiro momento, ficasse ainda menor com o tempo, o que acabou se confirmando.

É importante destacar que ultimamente a inflação está incomodando, e bastante. Há alguns anos, o centro da meta era 4%. O governo alterou este alvo para 4,5%, numa manobra muito mal vista pelo mercado. Ainda assim as taxas andam perigosamente acima dos 5%. Especialistas afirmam que o dragão pode até adormecer, mas nunca morre. É bom não relaxar neste controle.

3. Dólar de 3,94 para 1,70 - Aqui a desonestidade intelectual vai aos céus. Para se controlar a inflação lá em 1994, era preciso "congelar" o câmbio, um choque necessário. Isso foi feito, e o um dólar passou a valer um real. Com a confiança na nova moeda aumentando, a migração para o sistema de câmbio flutuante se tornava cada vez mais importante. Com um certo atraso, na minha opinião, esta mudança foi feita, e o Brasil entrou definitivamente nas bases da economia moderna com o câmbio livre. Atuações do BC passaram a ser esporádicas, apenas com o intuito de amortecer grandes saltos especulativos, e a mesma regra tem sido adotada até hoje.

Especificamente em 2002, o câmbio sofreu uma fortíssima especulação, que levou o real ao seu valor mais alto em toda a história, para quase 4 reais. A razão desse movimento especulativo responde por um nome. Lula. O mercado tinha fortes dúvidas quanto ao rumo que seria adotado pelo candidato petista, que estava prestes a se sagrar vitorioso nas urnas. Faria ele o que sempre pregou? Manteria os pilares da boa governança - metas de inflação, superávites primários e câmbio flutuante - de pé?

Felizmente Lula não mexeu nesses pilares macroeconômicos, e o Brasil passou a ser considerado um país mais confiável aos olhos dos investidores do mundo todo. Um país que não teria grandes solavancos econômicos independentemente do partido que o governasse. Essa, para mim, foi a grande revolução da década passada, comparável apenas à estabilização da economia nos anos 90.

4. PIB de 2,7% para "acima de 7%" - mais uma enorme desonestidade intelectual do Joelmir e daqueles que, tendo algum grau de consciência econômica, usufruem deste argumento. Mesmo considerando que FHC e Lula governanram em momentos absolutamente distintos, e que o primeiro enfrentou turbulências econômicas mundiais muito mais frequentemente, a média de crescimento das duas eras é muito semelhante. E essa média deve sempre ser comparada com o crescimento mundial do período, para que fique estatisticamente justa. Falar que o Brasil cresce "mais de 7%" hoje não é justo. Esse crescimento só se dá em razão do crescimento negativo do último ano. Sempre após as crises, o momento seguinte é de crescimento vertiginoso. A Argentina, país que enfrenta dificuldades muito maiores que as que enfrentamos hoje, deve crescer mais de 10% neste ano, e isso não se deve à boa governança da sua presidente, Cristina Kirchner. Muito pelo contrário.

5. Desemprego de 12% para 6% - A economia se fortaleceu nos últimos anos, e isso fatalmente melhora o índice de emprego. Mas há fortes evidências de que a maior parte dos novos empregados apenas formalizou o emprego que já tinha, assinando carteira. De toda maneira, isso não é demérito nenhum do presidente Lula. Ao contrário, o presidente agiu de maneira acertada em termos econômicos durante todo o seu governo, inclusive durante a recente crise financeira mundial. Tá aí o ponto mais positivo do governo Lula, e o ponto que mais embaralha a oposição nos debates que estão sendo promovidos entre Serra e Dilma. A economia vai muito bem, obrigado.

6. Risco Brasil de 2400 para 174 pontos - Bem... primeiramente esse risco só bateu nos 2400 pelo fator já explicado anteriormente, chamado pelo mercado de "Risco Lula". Como o novo presidente manteve os pilares macroeconômicos do governo anterior, o risco Brasil logo se desinflou. E o que fez este medidor cair ainda mais foi justamente a confiança adquirida pelos investidores mundiais de que a partir daquele momento o Brasil seria bem governado (ao menos em termos macroeconômicos) independementemente do partido que vença as eleições seguintes. Como eu disse anteriormente, esse é o maior mérito do Lula, dentre muitos. Ele mostrou que, vestido de azul ou de vermelho, as normas da boa governança seriam seguidas a partir dali. Isso, para o investidor, é o mais importante. E por isso o risco Brasil caiu tanto.

O jornalista Joelmir Beting ainda se esqueceu de falar do famigerado "pagamento da dívida externa", outro embuste. No início do governo FHC, o Brasil não tinha poupança em moeda forte, a chamada reserva internacional. O país era devedor externo, mas não tinha poupança interna nenhuma. Com o passar dos anos, passamos a acumular reservas internacionais em dólar. Dez bilhões, trinta bilhões, cinquenta bilhões de dólares... As reservas subiam em um ritmo mais acelerado que o da dívida externa, e fatalmente as duas curvas se encontrariam em um momento futuro, o que de fato aconteceu no governo Lula. O Brasil não pagou a sua dívida externa. Apenas passou a ser considerado credor internacional, ou seja, passou a dever menos do que tem em reserva. Por isso se consdera que o país não tem mais a dívida externa.

Isso tudo sem contar, á claro, com o fato de que, dada a boa governança, sempre se espera que os números melhorem com o tempo. Bons governos são assim mesmo. As exportações crescem, as mortalidades caem, a segurança aumenta... Seria uma grande decepção, depois de 8 anos, que o Lula nos apresentasse números iguais aos do início do seu mandato. E é bastante provável que os números continuem a melhorar, independente do partido que ganhar a eleição.

A análise acima é honesta, isenta de cores partidárias, até porque não sou nem nunca fui filiado a partido nenhum. Já votei no Lula, no Pimentel em Minas e em outros partidos adversários do PSDB. Voto hoje no Serra apenas porque tenho enormes dúvidas sobre a capacidade da Dilma de manter nos trilhos um país tão rico e complexo como o nosso. Acho que falta a ela principalmente liderança política, já que em termos de carisma os dois candidatos se equivalem, negativamente. Acredito que a Dilma terá imensa dificuldade de não virar presa da turma do Zé Dirceu e do PMDB - e isso não aconteceria com o Serra presidente.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

E o milagre aconteceu...


Há menos de dois meses, escrevi aqui mesmo nesse blog que o PSDB esperava por um milagre para reverter a ampla vantagem que Dilma tinha nas pesquisas. Naquele instante, o partido não tinha um discurso coerente. Ora elogiava o governo Lula, ora o atacava. Aliados (inclusive do próprio partido) evitavam se vincular ao candidato tucano José Serra, temendo prejuízos eleitorais nas disputas estaduais. Mas política é realmente imprevisível, e o milagre surgiu. Com uma força inesperada até mesmo por ela, Marina Silva protagonizou uma onda verde que acabou por levar a disputa para o segundo turno. Um pouco mais de tempo e talvez iria ela, Marina, ao segundo turno contra Dilma Rousseff. E com ótimas possibilidades de vitória, já que herdaria 99,5% dos votos dos eleitores de Serra.

Mas Marina não teve tempo pra isso. Sua coligação de um só partido lhe deu pouquíssima capilaridade eleitoral, característica vital em um país continetal como o nosso. E seu tempo na propaganda eleitoral era apenas um pouco maior que aquele suficiente para dizer "Meu nome é Enéas". Com 20 milhões de votos, entretanto, ela pode ser considerada a grande vitoriosa da eleição presidencial no primeiro turno, e peça-chave no segundo. Analistas previam que ela teria algo próximo da metade disso...

Mas o que gerou essa onda verde? Se o voto ecológico não representa nem 10% do eleitorado, o que levou a Marina a ter quase 20%? A resposta está no que chamamos de "agenda negativa". Um candidato perde votos na medida em que se vê obrigado a dar mais explicações do que a expor seu programa de governo. E foi justamente isso que ocorreu com Dilma Rousseff. Ironicamente, o gatilho para esse processo foi disparado pelo presidente Lula, padrinho político de Dilma, um político que já viveu meia dúzia de eleições presidenciais, e que por esta razão traz consigo uma vasta experiência eleitoral. Do alto de sua popularidade arrebatadora, Lula achou que podia mais do que realmente pode. Na mesma semana, atacou o "excesso de liberdade" da imprensa e disse que gostaria de "extirpar a oposição". Chavez pensa da mesma maneira. Ahmadinejad também. Impossível que não houvesse a associação dos dois rompantes do presidente Lula (e de sua candidata, que como sempre faz coro ao que ele fala) com um viés ditadorial, repressor.

Já na semana seguinte, Dilma foi questionada uma centena de vezes sobre os dois temas. Tentou explicar que apesar dos pesares, imprensa boa é imprensa livre. E também sem muito sucesso disse que a fala do presidente sobre extirpar a oposição era de cunho eleitoral, e que o PT gostaria de extirpar os opositores nas urnas. Soma-se a isso as intensas acusações contra a ministra Erencie Guerra, braço direito de Dilma, envolvida em flagrantes casos de corrupção na Casa Civil e pronto. O estrago estava feito. A agenda negativa estava instalada.

Uma parcela dos eleitores de Dilma - nitidamente a parte mais instruída, com mais renda, os chamados formadores de opinião - , incomodado com essa agenda negativa da candidata petista, resolveu olhar para os outros candidatos. De um lado, viram Serra, um candidato pouco atraente aos olhos deste eleitorado específico. Mas de outro viram Marina Silva, uma ex-petista que trabalhou com Lula, e que tem uma forte imagem ligada à lisura no trato com a coisa pública. "É nela que eu vou", pensaram muitos. Em um primeiro momento, quase 5 milhões de eleitores. Quase 5 milhões de ex-dilmistas. Marina deu seu primeiro salto, batendo nos 15%, e Dilma viu sua vantagem encolher, caindo de 57% dos votos válidos para 51%. O segundo turno já era uma ameaça latente.

Mas um segundo golpe ainda estava por vir. Dilma, que sempre teve postura afirmativa sobre os variados temas tratados por um candidato político, vociferou em sabatina à Folha que era "um absurdo não haver, ainda, a descriminalização do aborto no Brasil". Uma posição legítima, e até certo ponto louvável. Afinal, o Brasil é um país laico, e políticas de saúde pública não devem sofrer a influência de religiões ou crenças. Mas o tema foi levantado posteriormente, e Dilma se embaralhou toda. Afirmou que era contra o aborto. Que era a favor da vida. Mas não encontrou explicação razoável para a forte frase dita na sabatina da Folha. Enfrentou um importante revés de grupos religiosos. Arcebispos, padres, pastores e líderes passaram a pregar voto contra a candidata do PT, chamada de abortista. Os marqueteiros de Dilma tentaram voltar atrás. Incluiram em seu programa eleitoral o tema, mostrando lindos bebês, mulheres grávidas e etc. A campanha da petista tentou reunir novamente líderes religiosos para, juntos, condenarem a prática do aborto. Até conseguiu o apoio e a adesão de alguns, mas era tarde. Outros 5 milhões de eleitores voltaram seus olhos para as opções, e Marina experimentou novo salto no dia 3 de outubro, dia da votação em primeiro turno.

Diferentemente do que previam as pesquisas, até mesmo as de boca de urna, Dilma não teve os 51% esperados. Nem 50%, nem 49%. As urnas se fecharam e deram a Dilma 46,9% dos votos. Serra ficou próximo do que tinha nas pesquisas, cerca de 33% dos votos. E Marina se aproximou dos 20%. O segundo turno presidencial, antes pouco provável, era fato consumado. E o PT ainda lamentava a vitória em primeiro turno de Geraldo Alckmin em São Paulo, por apenas 0,5 ponto percentual, deixando o petista Mercadante fora da disputa. A oposição estava em festa. O governo não...

Hoje, nada indica que a sangria de Dilma Rousseff tenha terminado. Pelo contrário, a postura agressiva no primeiro debate do segundo turno certamente lhe tirou votos, tanto que a campanha petista não quer que Dilma participe de todos os debates previstos. Há consenso entre estudiosos do tema que o candidato que ataca de maneira muito agressiva tende a perder votos. O eleitorado reprova esse tipo de atitude. E Dilma, pouco articulada e nervosa, amplificou o problema. Serra, ao contrário, se mostrou tranquilo, e ainda adotou um discurso mais coerente que o que usou no primeiro turno. Defendeu as conquistas do governo FHC - o plano real, as privatizações, a estabilização da economia, e partiu para as comparações de biografias.

Neste instante, algumas pesquisas já indicavam que o grande eleitorado conquistado por Marina Silva no primeiro turno tendia para o lado de Serra, e não para o de Dilma. No DF, onde Marina ficou em primeiro lugar, Serra herdou vinte e quatro pontos percentuais quando a candidata verde saiu da disputa. Dilma herdou apenas sete. A constatação deste movimento veio através do Datafolha, dias depois. A vantagem de Dilma, que chegou a ser de 20 pontos percentuais em um confronto de segundo turno contra Serra, caíra para oito pontos apenas.

O PT tenta, agora, levantar uma "Erenice" do lado do Serra. A tentativa é válida, e se colar pode frear o crescimento do tucano. Falam de um cidadão chamado Paulo Preto, que teria desviado 4 milhões de reais da campanha tucana. Sinceramente, o caso não me parece ter intensidade para causar estragos nas hostes tucanas, mas aos petistas não custa tentar. A seguir como está, Serra já se aproximaria bastante de Dilma na próxima pesquisa, e fatalmente ultrapassaria a petista até o dia 31 de outubro, data da votação em segundo turno. O posicionamento de Marina Silva frente ao segundo turno poderia mudar sacudir a poeira, mas se espera que o PV apoie Serra, e que a candidata verde permaneça neutra na disputa.

Os petistas, hoje, tentam entender como uma eleição ganha se transformou numa disputa equilibrada, com boas possibilidades de derrota. Os que realmente quiserem esta resposta devem olhar para o presidente Lula. Mais precisamente para o seu umbigo. Foi ele, com o rei na barriga, que disparou o gatilho da agenda negativa que até hoje atola a sua candidata.

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